Por HSN

Interpretatio

Interpretação da lenda do nascimento de Santa Marinha e de outras santas galegas martirizadas, desde os ensinamentos de Pinkola Estés:

Há uma lenda antiga recolhida por Pedro Henriquez D’Abreu (1.653), na obra “Vida, e martyrio da gloriosa Santa Quiteria, e de suas oyto irmaãs todas nacidas de hum parto, portuguezas e protomártires de Hespanha”.
A fonte está aqui enlaçada.
Resumidamente apresento o relato, que perdura na atualidade sobretudo no baixo Minho, levemente transformado, e em crônicas santorais da Espanha e da França.

A protagonista inicial é Callia, da que é marido o governador da Galécia e Lusitânia de nome Lúcio Castelio Severo, para uns cronistas, e Lúcio Caio Otílio nas crônicas bracarenses.
Moram em Baiona dizem uns, outros de viagem por terras galaicas acompanhando ao imperador Adriano.
Callia está grávida, esta em estado.
Cálsia, Callia, dá a luz, na viagem, ou em Baiona.
Foram nove nenas, meninas, nascidas de um único parto: Quitéria, Basília, Genebra, Marinha, Germana, Liberata, Marciana,Vitória, e Eufêmia.
A mãe, por medo ao pai, ao seu pensamento desviado, a que a culpar de ter relações com muitos homens, decide ocultar os nascimentos, e manda afogar as bebés no Minho à sua ama, criada.
Mas a ama, Cília, repartiu-as entre piedosas famílias que as criaram no cristianismo aquele antigo. Nas crônicas espanholas, Cília busca famílias de acolhida pola sua conta. Na crônica galaico-bracarense, Cília leva-lhas ao bispo Ovídio (logo depois Santo) e este reparte-as entre famílias cristãs, tudo as suas expensas.
As nove filhas de Calsia / Callia, já crescidas, saem pelo mundo adiante fazendo trabalhos santos, e todas acabaram martirizadas.

O relato historiado”: Vida, e martyrio da gloriosa Santa Quiteria, e de suas oyto irmaãs todas nacidas de hum parto,…, centra-se posteriormente a este começo, em uma das filhas Quitéria, a quem o seu pai quer casar, com um homem de nome Germano.
No caso de Santa Marinha o casamento, recolhido nas lendas fora de este relato, é com um muçulmano, ela recusa-o e decapitam-na, decapita-a o mesmo homem que a desejava por mulher, igual que acontece com a sua irmã Quitéria.
Simbolicamente: há uma iconoclastia da divindade feminina, que não casa, que não é compatível, nem com o arianismo germano da altura, nem com a religião muçulmana posterior.
O relato está apresentando um novenário de posições, saído à tona da realidade nos nove aspetos da pessoalidade, nas nove qualidades essenciais com as que se impregna alma humana, estudadas a fundo pelo sufismo. Conhecimento do novenário atualmente chamado de eneagrama. Conhecimento que ficou roto e parcialmente oculto, em retalhos durante estes séculos escuros de religião castradora da espiritualidades e decepadora da feminidade divina. Este saber encriptado está presente no hinduísmo, nas navadurgas (nove deusas).

Callia é a nai destas nove filhas. Callia é Cália, é a pedra, o callau feminino, a Galiza. É Cailleach, é a moura que leva sobre si a pedra, e senta para descansar, é a mater, a matéria, na dualidade corpúsculo-onda, ela é o corpo, a partícula…
Há pois uma deusa original, ou diríamos força yin, que pare, que gera nove qualidade básicas que nos formam.

O governador romano e Cállia:
Callaecia, a terra da deusa nai assim chamada por quem a habita, está casada com Roma?
O marido da Callia, da Gallaecia, é um Lúcio, é Luz, é Lugo, é Lugh.
Estão-nos a falar da união cósmica que nos forma.
Este universo está formado por duas forças básicas, duas expressões da energia ou do Tudo: A matéria e a vibração, na complementariedade do corpúsculo e da onda, ou yin e yang.
Cállia e Lúcio são a Pedra e a Luz, a matéria e a onda. O matrimônio cósmico.

Mas: Assim como Callia é pura, total, sem determinantes, sem apelidos. Lucio é Castélio Severo ou Caio Otílio…
A força feminina apresenta-se na sua integridade.
Enquanto a força masculina está em um castelo, está na severidade, está na alegria inconsciente (Caio), definida ainda mais por outro cognome: Otílio.
Que nos quer dizer Lúcio Castélio Severo? Lugo o do castelo severo.

 

Esta imagem de encastelamento de Lugo, de confinamento, de prisão de Lugo, tanto no plano real como no simbólico ou divino tem muita significação.
Assim como, a força feminina está íntegra, pela contra a força masculina está acouraçada, na severidade, na rigidez excessiva.
Severus tem a ver com sexvir, a sexualidade viril. Era o sexvir um conselho de seis homens significativos, que tratavam do governo municipal ou, também sexteto de governo noutros órgãos de poder.
Sexvir é o arreitado falo. Qualidade do envergalhamento, da ereção necessária, mas também qualidade precisada só temporariamente, e não continuamente, pois o priapismo não é bem são. Castelio: a imagem primeira é a de um castelo, mas noutro plano a fortaleza do castelo é a fortaleza do casto, daquele que não se mistura, que tem uns limites determinados, para evitar o seu derrame… Lucio Castelio Severo, é a masculinidade no seu plano sexual ativo, mas: confinada, reprimida?

A estória decorre no começo do cristianismo, no momento da chegada do arianismo…
Está-nos falando de como era já esse cristianismo estatalizado?
Esse primeiro cristianismo romano…

E Lúcio Caio Otílio?
Caio, tem a ver com Gaio, gaio é o nome da pega-marça, Garrulus glandarius, da alegria.
Otílio tem duas ponlas, dous ramos: Pelo lado greco-latino Otílio tem a ver com otus, que é o moucho das orelhas, o moucho não esmouchado:

 

Ainda mais: ὦτος além do moucho orelhudo, é o mome que se lhe dá às pessoas facilmente enganáveis, aos estúpidos, (está aqui a palavra otário).
E não sem razão, quem tenha morado nestes últimos cinquenta anos sob a cultura televisiva ocidental, o moucho, mocho, com orelhas de sabedoria “estúpida”, pois não é prática, aparece em esse rol com frequência nos desenhos animados: Este é o macho arquetípico que o relato de Cália e Lúcio nos mostra?
Por outro lado Otílio na rama germânica tem a ver com Oto, que por sua vez vai dar ao ouro, riquezas, mas que volta a remeter às orelhas.
Lúcio Caio Otílio, é pois o masculino alegre superficial, sábio, rico e parvo…

Entende-se pois que as nove qualidades emanadas da união do yin-yang, diante de um pai tão “deformado”, sejam ocultadas, quase mortas ou desaparecidas, em certo sentido ausentes do conhecimento livre.
Vão ser afogadas no Minho, mas a compaixão de Cilla evita o seu desaparecimento.
É pois Cilla, Cila, Sila, a Scila, Sheela na Gig, a preservadora de um saber.
Cália tem medo do seu homem, homem encastrado, adjetivado, orientado nas suas qualidades, determinado, nem livre, nem fluído.
Está disposta a anular as suas nove qualidades…
Mas essas nove formas são salvadas pola Cilla.
Cilla que bem podia ser a an-cilla, a escrava, a ancela ou sufridinha.

 

As filhas, as nove filhas criam-se nos bosques….