Refletindo sobre minha jornada como médica, agora que tenho quase 65 anos, observo a vontade constante de integrar saberes, a curiosidade, a coragem de mudar e ter uma prática integrativa quando à frente do paciente.
O primeiro sinal de que a Medicina Convencional, aprendida na Escola de Medicina, e a Especialidade, em Ginecologia/Obstetrícia, não eram suficientes para aliviar ao dor e o sofrimento de muitas mulheres que passavam contando suas histórias, foi a procura da formação em Homeopatia. Esse interesse surgiu à partir da experiência com meu filho, a homeopatia funcionou muito bem enquanto na medicina convencional iria para cirurgia, sem muitas garantias.
Durante o curso, que no Brasil é realizado como Especialidade Médica, com estágio em um grande hospital de São Paulo, uma visão diferente foi-me apresentada, a visão do todo que é o ser humano, com suas funções integradas. Aprendi que quando algo está funcionando mal em alguma parte outra também está afetada. Não podia olhar só para o útero e ovários da mulher que sofria de dores pré-menstruais mas, também, precisava olhar para sua relação com o ser mulher, filha, mãe, como se sentia em família, no trabalho, na comunidade em que vivia, etc… Tudo se torna importante quando se deseja encontrar uma medicação específica para “aquela” mulher e não só para as dores.
Com a Homeopatia descobri que o ser humano era mais importante que a doença que o incomodava, o ser humano é sempre mais importante, e é para onde eu devia olhar. Ao olhar para o todo via, cada vez mais, a importância dos pensamentos, da forma de reagir à vida, das emoções que surgiam e mesmo da espiritualidade. Foi um acrescentar de ferramentas seguras e o observar resultados significativamente muito bons para diferentes doenças, que, muitas vezes, não se resolviam com os tratamentos da medicina convencional.
Foi da prática da homeopatia que a área da ciência e espiritualidade atraiu-me assim como a da psicoterapia. Novos conhecimentos e novas áreas para mim, pois eram saberes de há muito praticados e, alguns milenares. Foi há 22 anos que comecei esta viragem de médica para psicoterapeuta, que é o que me encanta atualmente.
Buscar a origem das doenças e desequilíbrios de forma consciente e tratar com estratégias e intervenções não medicamentosas tornou-se, para mim, mais importante do que tratar os sintomas com medicamentos, tenho que confessar, mesmo sendo homeopáticos. Tenho aprofundado meus estudos e prática na área da saúde mental, está claro para mim que toda doença (físicas incluídas) tem seu início em pensamentos e emoções desarmónicos, assim como modos e opções de vida contrárias à natureza da pessoa.
Nós somos memórias gravadas em nosso sistema nervoso, memórias são informações que podem estar bem adaptadas ou não, bem processadas ou não pelo sistema nervoso e glandular.
Quando saudável uma pessoa tem sua capacidade de enfrentar situações difíceis e estressantes, entrar nos mecanismos necessários de reação e, logo depois, retornar ao estado natural, sem estresse, como estava antes. Mas quando a pessoa não está saudável pode ficar difícil resolver a questão com seus próprios recursos e fica doente, pode ser um espinho no dedo que sai facilmente com uma pequena inflamação, sem maiores consequências, ou vira uma grande infeção do dedo com perigo de se alastrar ao braço.
O que é não estar saudável? É estar com seu sistema nervoso e glandular em desequilíbrio sem conseguir lidar/adaptar-se aos desafios diários visíveis e invisíveis.
Está provado, por um grande estudo realizado nos USA, o “Adverse Childhood Experiences Study (ACE Study)” fundado pelo Dr. Vincent Felitti, que: o estresse de traumas severos e crónicos na infância (espancar, bater, humilhação constante, presenciar o pai a bater na sua mãe) liberam hormônios que danificam fisicamente o cérebro em desenvolvimento. Esses danos são irreversíveis e levam a doenças cronicas na idade adulta (como hepatite, enfisema ou bronquite cronica, doenças de transmissão sexual) assim como doença mental, prisões, questões no trabalho, como faltas excessivas, etc.
Quanto mais experiências perturbadoras ou traumáticas maior o risco de problemas médicos, mentais e sociais na vida adulta!
As crianças que passam por estas experiências difíceis, adversas, perturbadoras ou traumáticas vão aparecer em todos locais e em todas as idades, vão ser pessoas com problemas de conduta, aprendizagem, criminalidade, abuso de drogas, dificuldade em desenvolver relacionamentos saudáveis, problemas com autoridade pois não confiam nos adultos, doenças cronicas. O trauma só agora começa a ser mais reconhecido e tratado pois a sociedade trata esses casos como exceção mas é algo que acontece comumente. Não é um problema médico ou somente do psicólogo, nem só do assistente social ou do juiz, é um problema de todos.
É necessário PREVENIR esse tipo de experiências na infância! Instruir como não passar de geração a geração esta situação, pois passa! “Spes messis in semini” – “A esperança da colheita reside na semente”.
Todos que pensam em ter filhos ou estão em processo de gravidez necessitam serem alertados para o tipo de atenção e cuidado que irão dar à criança. Se queremos mudar o futuro necessitamos urgentemente mudar o cuidado e atenção com as crianças, principalmente no meio doméstico. Muitos pais ao serem alertados aderem a propostas de mudanças: “O amor é o que cura e também o que previne!”
Além de tudo, necessitamos que os sistemas públicos (saúde e educação) tenham este cuidado também, sejam capazes de diagnosticar e encaminhar para terapias especializadas essas crianças “difíceis” e não traumatizar ainda mais. Precisa haver uma mudança de paradigma em relação a este fato a nível dos profissionais e dos políticos, uma mudança de visão sobre a doença para que possamos ver oportunidades de melhorar e estratégias.
A divulgação deste estudo, que é uma confirmação científica de alto nível sobre o que os psicoterapeutas observam há muito tempo, é importante neste processo de mudança.
Existe possibilidade de tratamento com o reprocessamento de memórias com terapias como o EMDR – (Eye Movement Desensitization and Reprocessing) que quer dizer Dessensibilização e Reprocessamento através do Movimento Ocular. É uma abordagem com a qual trabalho já há alguns anos com muitos bons resultados e, em toda literatura sobre trauma, é reconhecido atualmente como o mais embasado e estudado método terapêutico.
Dra. Sueli Simões-
Dra. Sueli Simões nasceu na cidade de São Paulo, em 1953, pai nascido em Moure, Barcelos (Minho) e mãe nascida no interior de São Paulo, com ascendentes Europeus e Indígenas, numa interessante amalgama genética. Estudou Medicina na Escola Paulista de Medicina (1979). Especializou-se inicialmente em Ginecologia, Obstetrícia e Homeopatia, no Brasil, dedicando-se nos últimos 20 anos à Saúde Mental. A mudança de especialidade coincide com a mudança de residência em busca de raízes ancestrais, chega ao Porto em Dezembro de 1999. Vive atualmente em Gaia e exerce sua prática clínica no Porto. Com uma grande necessidade de conhecimento buscou sempre sua verdade de muitas formas e aqui partilha um pouco de sua experiência pessoal e profissional. Psicoterapeuta Certificada, Supervisora e Formadora em “Deep Memory Process” e outras técnicas de terapia regressivas. Pós-Graduação em Hipnose Clínica pela Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa. Terapeuta Certificada em EMDR (Eye Movement Desensitization and Reprocessing) pelo EMDR INSTITUTE (USA) e BSP (Brainspotting) pela Associação Portuguesa de Brainspoting.