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“Uma noite em Nishapur”

Por José António Lozano”
(Notícias de uma viagem no Verão de 2009)

Casos, opiniões , natura e uso fazem que nos pareça desta vida/
que não há nela mais que o que parece.
(Luis de Camões).

Pareceu-me que a forma mais curta de abordar um velho tema era através de uma história pessoal. É uma forma mais viva de achegar-se á verdade que através de exercícios académicos, cuja pretensão de rigor encobrem amiúde uma violência ideológica indesejável e estéril.

I
As montanhas de Binalud eram imponentes no entardecer. Umas nuvens carregadas de presságios fizeram apurar o nosso passo. O meu guia, Akbar, mostrou-me a casa do outro lado da rua. Era uma casa de aparência nobre e sóbria. As flores da varanda eram uma combinação de vermelho e branco que contrastava com os azulejos azuis da fachada. Senti como se fosse trasladado a alguma quinta de Sintra. De súbito veio a mim uma imagem de Lisboa, das ruas que se perdem mais abaixo da Rua do Jasmim.

– Vamos, entra – disse-me Akbar – a reunião está para começar.

Entramos na casa persa, pertencente a um velho artesão bem conhecido em todo o Khoração. Dedicava-se também à pintura e ali tinha lugar uma reunião sob o pretexto de falarmos de arte, de ouvir música tradicional. A realidade era essa e também outra.

Os recentes acontecimentos no Irão mantinham uma tensão no ambiente. As olhadas das pessoas na rua eram fugidias e inquietas. Não há dúvida de que o poder governamental possui uma grande força entre a povoação. O Khoração, devido à sua realidade rural, mantém certa alinhação com o poder mas era diferente na cidade de Nishapur. Por outro lado é difícil saber realmente que se passa. Irão é um país de uma tradição milenária de ocultação das verdadeiras crenças e tudo acontece mantendo uma dupla versão entre o exterior e o interior. Uma mesma pessoa pode não ter nada a ver no seu comportamento e crenças no que manifesta fora ou de portas para dentro. Tudo resulta, numa certa altura, um tanto paranoico. Especialmente para um ocidental, que gosta de que tudo seja branco ou negro ou sim ou não e, sobretudo, que seja já. Nada disso me esperava na minha viagem e todos os projetos, planos e intenções tiveram que ser refeitos sobre a marcha.

Akbar apresentou-me aos convidados. Haveria umas quinze pessoas. Um número extraordinário se tivermos em conta a situação política pela que está a passar o país. Eu pensava que em qualquer momento poderia entrar a polícia. Quem sabe se alguma das pessoas ali presentes não fosse um confidente?. Fui cumprimentado com cortesia pelo convidados. Era um grupo de idades heterogéneas que se sentavam numa espaçosa sala que se abria para um jardim interior. Algumas vides e enredadeiras faziam um estranho efeito no ambiente. Não havia bebidas alcoólicas e as mulheres que ali vi (apenas quatro) não iam cobertas por nenhum véu ou lenço. Se não for pelo ambiente e decoração da casa as pessoas tinham um ar muito ocidental. Pelo que soube mais adiante algumas delas viveram já na França, Alemanha ou Inglaterra. Bebia-se chá e ainda que a minha presença era sem dúvida estranha não me senti nem especialmente requerido, o que teria sido muito fatigoso nem tampouco obviado, o que poderia ser simplesmente uma forma da cortesia e prudência persa. De algum modo tudo corria com naturalidade e era Akbar o que se encarregava de ser o meu anfitrião. Numa certa altura a reunião ia começar e notei como um homem de escassos quarenta anos assumia um papel diferente. Por um instante tive a sensação de estar numa operação clandestina de espionagem militar onde o homem não podia disfarçar, a pesar da sua aparência, serem o responsável, o comandante-chefe de alguma guerrilha sofisticada e anónima. Mas a sensação passou rápido e todos estávamos sentados em círculo em cadeiras ou sobre almofadas mais ao estilo oriental. Akbar falou:

– O nosso amigo espanhol está aqui com o propósito de conhecer mais profundamente as nossas tradições filosóficas e culturais. Não o faz por simples curiosidade. Ele está convencido de que muitas cousas valiosas da nossa cultura seriam úteis para Ocidente. Ainda que não é um antropólogo considera-se um antropólogo genuíno e tem estudado tanto a tradição derviche como os diferentes episódios do xiísmo. Quere estudar-se a si mesmo vendo outros homens e civilizações.

Fiquei um pouco impressionado. Pensei que Akbar estava a dar uma imagem de mim um pouco excessiva. Todos olhavam-me expectantes. E, então, o “comandante-chefe”, conhecido como O Aref, falou:

– Uma viagem tão longa denota um verdadeiro interesse e o facto de que seja espanhol é um interesse acrescentado para nós. Estamos habituados a franceses, ingleses, rusos. Poucos espanhóis vêm por aqui.

Ainda que não queria falar de política ouvi-me a mim mesmo dizer:

– Mas parece que o momento não é o melhor, a situação política não pode importuná-los e dificultar as suas ações?

– Levamos centos de anos com estas situações de um modo ou outro. Estamos treinados e preparados e não nos importunam. Só mostramos o que queremos mostrar. Aqui somos mais ou menos “ocidentais”. Fora de aqui podemos ser homens piedosos ou tecnocratas. Depende do contexto.

– Mas não têm um compromisso com a liberdade do seu povo? Num momento como este como podem permanecer tão alheios ao que se passa?

– Porquê prejulga que estamos alheios? Ou pensa que seriamos mais úteis no cárcere? Nós temos uma tarefa que está ligada ao destino humano. Não podemos ser tão indulgentes como para pretender mudar as cousas de um dia para outro. Irão leva trinta anos de fanatismo e repressão levado adiante por um excesso de entusiasmo e um excesso de ignorância. E não pense que não há pessoas notáveis envolvidas. Nesse sentido nós seguimos sendo orientais. Só somos ocidentais por fora. O povo que tanto exalta é o que sustenta o que há e o que houve. Não o esqueça.

-O que queria dizer é que me surpreende o ambiente e tranquilidade desta reunião se tivermos em conta o que acontece na rua.

– Querido amigo, nós não podemos bailar ao som que nos marque a rua. Isso sim seria uma catástrofe. Nestes momentos a calma e a sensatez é o que mais se necessita. A época do derviche louco já passou. Quando tudo enlouquece ao redor devemos mantermo-nos na nossa casa, guardando as nossas famílias e os nossos amigos. Essa é a nossa política. Não percebe que sempre se está a repetir um mesmo filme? O único que mudam são os decorados. Não podemos ficar sobreexcitados pelo filme. Ele está aí para aprender dele.

– Creio que o único que está a trazer um pouco de excitação emocional aqui sou eu!

Todos riram de um modo descontraído e natural. Eu também.

– Isso está relacionado com a longa viagem e as expectativas. Sinta-se à vontade. É normal.

II
Devo dizer que as palavras ditas pelo Aref eram muito mais suaves e amáveis do que possam parecer ao expor-as por escrito. A sua voz e o ritmo da sua fala transmitiam singeleza e uma tranquila confiança. A sensação nunca era a de alguém que tivesse a necessidade de convencer-me de nada, de defender uma causa ou de pretender algum tipo de conversão. Não havia impostura alguma. Uma das bases do trabalho derviche consiste precisamente na associação das pessoas baixo uma intenção comum e o contacto com pessoas de certa qualidade. Este contacto é o que permite uma retro-alimentação da nossa perceção, a polir o nosso ser interno. Isto dá lugar a uma relação de caráter especular. O outro é um espelho para nós. Esta é a razão de que a primeira fase do caminho derviche resulte tão difícil para tanta gente. Longe de se encontrar com a “espiritualidade” o que encontram é a dura realidade da sua “pessoa”. E isso com sorte. O mais fácil é censurar aos outros ou ao trabalho derviche.
Desde o momento que começou a reunião do círculo (Halka) as luzes elétricas tinham sido substituídas por velas. Um amigo tocou o ney. Era uma evocativa e melancólica peça mas estranhamente não conduzia a um estado de tristeza ou abatimento, havia como uma épica oculta que irrompia na história. Uma mulher recitava um poema com uma bela cadência. Notava um suave movimento nas pessoas, um leve balanceio quase impercetível como candeias acesas, ou como o vaivém da palmeira solitária ao serem acariciada pelo vento…

A audição, o sama, prolongou-se durante uns vinte minutos e os poemas iam e vinham com paragens. Podia reconhecer o primeiro, que era de Rumi mas depois já não consegui identificar mais. Simplesmente me deixei levar pelo ambiente tentando estar recetivo e sem pretensões

Escuta a flauta de cana, como se queixa

lamentando o desterro do seu lar

“Desde que me arrancaram da minha cama de vime

As minhas notas fizeram chorar homens e mulheres

Destrói o meu peito, esforçando-me por desafogar os suspiros

e exprimir as dores súbitas e as saudades pelo lar

Quem mora longe do seu lar

anela sempre o dia do regresso…

Mas ninguém desentranha os segredos do meu coração…

É o fogo do amor o que inspira a flauta

confindente dos amantes desgraçados…
E assim continuava o longo poema que abre o Masnavi. Mas não percebi que ao acabarem houvesse comentário algum sobre o que tinha acontecido.

Yusuf, um arquiteto que tinha feito boa parte da sua formação na França, falou-me:

– Como verá não é isto como os recitais poéticos ou musicais que se fazem no ocidente ou também aqui no oriente. Não pretendemos um efeito estético, e não o fazemos com a intenção de valorá-lo segundo um critério artístico.

Exatamente era isso o que tinha notado. A execução poética e musical era muito boa mas não deixava um pouso emocional. Confesso que havia algo raro, era como se as emoções habituais ali não funcionassem do mesmo modo. Provavelmente estava relacionado com o estado interno das pessoas que tocavam, recitavam e ouviam. Isso criava um ambiente especial. Para dizê-lo de alguma maneira: os sentimentos não se condensavam em si mesmos, fluíam à superfície como pássaros que procurassem o ar seco e a luz. Não se me ocorre outra maneira de dizê-lo. E isto é, obviamente, uma experiência bastante subjetiva mas que se complementava muito bem com a impressão pessoal de que essas gentes não te transmitiam preocupações, não eram maçadoras. Um podia estar falando com uma pessoa e aos poucos minutos ter dificuldades para recordar o seu rosto. Dirigiam-se a um com franqueza e sem pretensões.

III
O Khoração é um lugar especial dentro da transmissão do conhecimento. Foi ali onde começou um modo de experiência que consistia em imbricar-se nas atividades da vida quotidiana ao mesmo tempo que se desenvolvia um caminho interior ou místico. As pessoas ligadas a artes e ofícios tentam destacar nas suas profissões. Não procuram simplesmente ter êxito senão fazer as cousas bem. Isto é uma maneira de concentrar as energias, de desenvolver uma mestria que reflete um carácter interior. Em particular figuras como Al Sulami, Abu Hafs, Yusuf Hamadani (há quase mil anos) iniciaram uma atividade que se diferenciava das formas tradicionais dos grupos esotéricos. Nada de identificações exteriores que os assinalassem como especiais. Desconfiança das chamadas experiências místicas (em muitas ocasiões mescla de emocionalismo e imaginação, quando não uma forma de inflamar o ego). Aceitação das normas sociais estabelecidas no lugar no que viviam e conformidade com o poder político que não sufoque as liberdades básicas do ser humano. Respeito pelos diferentes credos e separação dos assuntos espirituais dos temporais, o que leva a uma clara diferenciação do poder político e religioso. Esta perspetiva está ligada ao modo malamati do ensino superior. Estou convencido que se Kant tivesse lido os princípios da escola malamati teria uma opinião muito mais favorável ao verdadeiro significado do misticismo. Para um malamati nenhuma experiência interior tem verdadeiro valor se não está ligada a uma ética pessoal pura e reta, a uma sinceridade total que liga a homem com a sua intenção. Nada de fundar um clero divorciado da vida (recomenda-se como preferível casar e ter uma família), nada de ostentações de graus. Em algumas ocasiões o malamati tem um comportamento que o desacredita socialmente com o fim de preservar-se da possível hipocrisia que suporia ser considerado “bom”.
Estávamos no jantar , na ceia em que os amigos compartiam a história de Ali, Muskhil Gusha, o disipador de todas as dificuldades. Era uma longa história contada por todos os amigos. A história das vicissitudes dum lenhador viúvo desde o momento em que a filha lhe pede mais e melhores cousas para comer.

Depois ainda se seguiu a conversa, uma agradável velada entre todos. É claro que eu tinha algumas perguntas a fazer mas não sabia se encontraria o momento oportuno ou se as minhas perguntas resultariam um pouco ridículas. Havia algo que inconscientemente tinha na minha cabeça: o facto de que essa gente não tinha uma aparência “religiosa”. Eram educados, gentis e com sentido do humor mas se não for porque sabia que seguiam um caminho místico, provavelmente teriam passado despercebidos para mim. Poderia pensar que fossem uma associação cultural de qualquer cousa mas místicos… isso seria o último que pensaria!

Um homem que passava dos sessenta anos, de nome Hussein, pareceu adivinhar as minhas tribulações, quase ocultas para mim, e falou-me

– Pode que tenha lido muitos livros sobre sufismo mas nós não costumamos falar sobre “sufismo”, sobre religião ou teologia. É mais bem raro. As pessoas que aqui vê já passaram essa fase. Não quero dizer que não seja algo que não esteja na nossa formação ou que, individualmente, as pessoas não o façamos como forma de meditar certas verdades mas não são a base da nossa relação pessoal e da nossa dialética.

– Mas imagine que eu tivesse que transmitir a outras pessoas o que vocês são ou fazem. Supostamente são um grupo religioso, uma forma de culto de algum tipo, com um sistema de crenças e tudo isso. Como explico então o que fazem?. Digo que tocam música, que recitam poemas e que são pessoas cordiais com uma sensibilidade especial?

– Pode dizer isso- riu – e garanto-lhe que estaria mais perto da verdade que se diz que somos um grupo religioso ou um culto tal ou qual. No primeiro caso estaria a transmitir factos, mais ou menos idiossincráticos e externos, mas factos. No outro caso estaria a transmitir valorações que dependem muito do condicionamento cultural das pessoas. Que é a religião, que é um culto?. O problema é que damos as cousas por feitas, como se automaticamente as palavras transmitissem o significado por si mesmo. Isso é só um hábito. Se procurar a palavra sufismo numa enciclopédia dirá que é uma espécie de misticismo islâmico. Muitas pessoas ficam tranquilas com isso para bem ou para mal: já têm uma etiqueta. Mas que é realmente a mística, que é realmente o Islão?

– Mas terão umas crenças básicas, uns alicerces que possam transmitir.

– Com certeza, mas só como forma de algo que tem uma base no conhecimento. A compreensão e o significado das crenças varia segundo a evolução da pessoa. Se uma pessoa fica com as crenças e não alcança o conhecimento estas são pior que se não tivesse nada. Compreenda que nós não trabalhamos para mudar as crenças das pessoas senão para aprofundar nas que já têm.

– Isto lembra-me a Espinosa.

– Pode ser mas eu confeso-lhe que não sei quem era Espinosa. Não sou filósofo. Sou artesão, fabrico setares, neys, violas. E também toco!

– Desculpe, mas é uma espécie de deformação profissional.

– Não, não se desculpe. Já estou intrigado por saber quem era Espinosa. Também sou filósofo e erudito à minha maneira! Conheço as deformações profissionais em carne própria!
E então Hussein colheu o ney e começou a tocar a peça do seu mestre turco predileto.

IV
Quando Hussein acabou de tocar, e quase como uma premonição, uma intensa tormenta eléctrica acercava-nos à meia noite. Uns minutos mais tarde começou uma chuva intensa, selvagem. Era inabitual nesta época do ano. O ambiente pareceu tomar uma especial intensidade. Percebi como os olhos dos amigos brilhavam, havia uma carga especial no ambiente. De súbito tive a sensação de estar num lugar recôndito e perdido da civilização, habitado por seres procedentes dos quatro cantos da terra. Senti algo profundamente familiar, como se já os tivesse conhecido antes, como se todo isso já fosse vivido outrora ou quiçá sonhado.

Fátima era uma mulher de uns quarenta e cinco anos. Exprimia-se com uma jovialidade e uma viveza que contrastava com a sua voz grave e harmoniosa a um tempo. Transmitia uma confiança e uma tranquilidade essenciais. Tudo no seu corpo reflectia uma cadência musical e uma cálida simpatia que se fazia ainda mais patente quando escutava ao outro. Não só falava de um modo que um desejava que não parasse, era um gozo observá-la, mas era um pessoa que realmente ouvia ao outro. Isto percebe-se, o mesmo que o contrário.

– Considere o seguinte- falou Fátima. Hoje somos aqui quinze pessoas mas somos menos dum terço das que poderiamos estar. Logicamente as condições políticas têm a ver com isso mas para nós tudo está ligado. Por exemplo, coincide que você está aqui, que pessoas que são habituais nestas reuniões hoje não chegaram, que há uma tormenta fora e tudo isso e mais detalhes compõem uma situação que não se repetirá. É provável que nunca mais nos voltemos a ver, quase com toda probabilidade não coincidiremos as mesmas pessoas numa situação semelhante. Tudo isto é óbvio, é assim sempre, em todas as situações mas no nosso caso tem uma relevância especial. Poderia acontecer que esta mesma situação se repetisse dentro de seis meses com as mesmas pessoas e a impressão que levasse poderia ser muito diferente. Tanto das pessoas individuais como do grupo.

– Não alcanço a compreender o que me quere transmitir.

– Tudo muda no nosso trabalho. Na vida ordinária as pessoas não cambiam. Têm mudanças emocionais e temperamentais, acontecem cousas, obviamente, mas básicamente a pessoa é a mesma. Aqui não é assim: não podemos julgar uma pessoa de agora com os parámetros de há um ano. O outro cambiu, nós cambiamos. Cada situação tem um balance de qualidade diferente. É sutil mas muito real.

– Compreendo. Isto é o que faz que não haja regras fixas, que não se possam estabelecer dogmas nem crenças rígidas.

– Dependemos da percepção não das crenças. Os falsos grupos têm que reafirmar-se sempre numa série de crenças e utilizam todo tipo truques conscientes e inconscientes. Tome por exemplo qualquer sociedade com as suas aparentes diversidades de opiniões, ideologias, estilos de vida. Por mais diferentes que pareçam têm uma função complementar, necessitam-se mutuamente e alimentam a sua identidade na oposição e no contraste de uns com outros.

– Mas pode ser de outro modo? Somos seres sociais depois de tudo.

– É muito certo mas também somos seres cósmicos, por exemplo. Mas ninguém terá em conta isto. Não está no programa de lavagem cerebral das diversas sociedades. Existe uma ideia implícita do que é o homem e de até onde podemos chegar e do que podemos obter, sempre dentro duns certos limites. Qualquer rapaz de doze anos em Ocidente sentirá-se hoje livre de negar a existência de Deus da maneira mais simplista que possa imaginar, como se nega a existência dos Reis Magos. E não pense que os adultos estão melhor. Consideram essa crença, que Deus não existe, como uma obviedade. Mas se lhe falarem do Big-Bang com terminologia da mecânica quântica e complexas orientações matemáticas pensarão que isso já dá um sentido ao real. Não compreende o absurdo?

– O inglês Chesterton dizia que chamávamos explicação ao que ficava no meio entre uma cousa inexplicável e outra cousa inexplicável.

– Que bom! É isso. Somos um enigma e um mistério mas sempre haverá alguma ordem religiosa, política, filosófica, científica ou tribal que porá as cousas no seu lugar e nós resolverá todos os enigmas ou nós prometerá resolvê-los. Não é assombroso que estejamos a falar deste modo nós aqui? Não é algo irredutível a qualquer explicação, a qualquer causa?

Nesse momento alguns celulares começaram a soar. Outros amigos liam mensagens. Alguém, num quarto ao fundo, consultava o correio em Internet.

– Como pode ver- disse Fátima, não estamos alheios. Estamos implicados e ligados às situações e à nossa gente e ao mesmo tempo podemos suspender o tempo, fazer uma paragem no meio da tempestade.

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